Excertos

Antropologia Filosófica

Excerto da Resenha Crítica da Obra “Um Espelho para a Humanidade” de Conrad P. Kottak, publicada pela editora AMGH-Porto Alegre, em 2013 

 

A antropologia filosófica é certamente uma dimensão empírica da teoria da práxis. Não teoria no sentido de balbuciar a vivência do homo sapiens, e sim na medida em que fundamenta cronologicamente a historicidade da vida humana. Importa ressaltar, portanto, que tal cronologia não obedece a uma lógica temporal rígida, de sorte que mil e quinhentos anos podem ser narrados como sendo apenas uns poucos anitos.

Entenda, pois, por exemplo, que; o abismo temporal que separa a barbárie da civilização, embora percorridos e, por isso mesmo, unificados por uma fina membrana de sucessão, que representa às nefastas lágrimas do deus Chronos, não pode ser ignorado; Se o casamento da “pedra polida com a vara” é narrado como uma cerimónia encerrada num mesmo período histórico, que aquele que um e outro foram gerados, é por questões pedagógicas. Pois, a nossa limitada percepção seria incapaz de assimilar os pormenores de três mil anos de colectores-nômades, que nos escoltaram aos três mil e quinhentos anos de horticultores semi-sedentários. A situação histórica dos fenómenos sociais é imprescindível. Ignorá-la é ignorar a corrente cultural e espiritual de luz que governa, os desígnios do nosso coração pulsante, desde Adão.

O discurso de Conrad Phillip Kottak, narrado em “Um espelho para a humanidade” circunscreve-se nessa tradição histórica. Com base neste texto de Kottak, pôde-se inferir: a Antropologia parte da indagação; que é o homem? – todas outras indagações, como por exemplo, “de onde viemos?” e “para onde vamos?”, são questões paralelas que nos remetem à tentativa de compreensão da indagação; que é o homem?

Longe de apropriar-se de uma abordagem clássica – quer platónica, quer aristotélica, a antropologia parte, entretanto, do pressuposto segundo o qual; o homem é um animal histórico. Esta historicidade porém, incita-a, a vislumbrar; quer a visão platónica, quer a visão aristotélica, do próprio humano.

A questão supra-apresentada e sua respectiva hipótese, encerram em si toda a pesquisa antropológica. Contudo, levantam uma questão pedagógica; por que os antropólogos prendem-se em narrativas tão massudas? Conrad com seu texto presunçoso não consegue sobreviver ao estilo académico. Um espelho para a humanidade parece ser uma réplica do legado antropológico; o volume da obra, o tamanho, a forma, os tópicos, a sequência, o estilo, a linguagem, etc. Parece que os antropólogos têm-se replicado paralelamente. Ou, talvez, seja apenas o procedimento!

Numa palavra, toda narrativa antropológica parece ser uma estranha citação do legado de Morgan. Uma citação quase que nunca citada. Ao introduzir-nos ao maravilhoso mundo da antropologia, Kottak tenta dar-nos uma visão histórica do homem, de modo a justificar a sua historicidade. Porém sua historicidade é pouco ou nada crítica.

Esta ambiguidade porém, não retira o mérito de sua obra. A falta de pensamento vivo no texto de Kottak não causa grandes problemas ao seu público-alvo, pois na antropologia, ao que parece, o que conta é a descrição. Quanto mais fiel e mecanizada – melhor a descrição. Daí o grande investimento da antropologia nas técnicas de coleta e disposição de dados.

Um problema, portanto, de uma obra que se diz introdutória, é que não esclarece numa só palavra “o que é antropologia”. Kottak dedica um capitulo completo à esta questão. Contudo, sem objectividade alguma.

Espero que essa recensão crítica do texto de Kottak seja capaz de fazê-lo considerar a abordagem antropológica da condição humana nos seus juízos sobre a humanidade: o homem é um animal histórico. A antropologia é o espelho pelo qual se pode perscrutar o reflexo de tal historicidade. Mas é preciso um olhar atento e crítico para contemplar esse mesmo reflexo, ou então toda historicidade humana acumulada pela antropologia não transcenderá de uma tradição estéril, incapaz de transformar.

 

Autor: Domingos Bengo, 2015

Editor: Cefal, 2019

Fonte (Texto Integral): Antropologia – RC

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