Excertos

Missão do Ensino de Filosofia no Ensino Médio em Angola

Excerto do Projeto de Ação Profissional apresentado à American World University
como requisito parcial à
obtenção do título de Licenciado em Filosofia, em 2019

 

Em 2015, quando entrei pela quinta vez numa das salas de aulas da escola do II ciclo do ensino secundário 2003/14 de Abril, levava comigo uma linda garrafa térmica. Quando a pousei sobre a secretária, grande parte dos alunos indagou-me a respeito do conteúdo da mesma. (Elaboração própria “EP”: estágio curricular 2015). Esta estória revela que a chama do desenvolvimento e do progresso humano, escassa nos adultos e abundante nas crianças ainda repousa quase que intacta na maioria dos adolescentes esparsos nas nossas escolas de ensino médio.

 

Inovação e criatividade são palavras que floreiam quase todos os debates académicos e políticos hodiernamente. Porém essas alusões parecem suprimir um elemento fundamental do processo criativo: a curiosidade. Foi a curiosidade que levou Newton a descobrir a gravidade, Einstein a teoria da relatividade e Tomas Edson o filamento da lâmpada incandescente, só para citar alguns exemplos. (EP)

 

Assim, o ensino de filosofia no ensino médio em Angola pressupõe antes de tudo uma redefinição da missão da própria filosofia, partindo, por isso mesmo, da problematização filosófica do próprio ensino da filosofia. Tal significa que é urgente tratar o ensino da filosofia como um problema filosófico. (EP)

 

Partindo deste pressuposto, entendemos que a missão da filosofia no ensino médio em angola seria a de despertar a curiosidade dos alunos sobre os factos científicos, artísticos e culturais, de modo que eles possam desenvolver uma atitude mais crítica diante da vida e da morte. (EP)

 

Todo esforço empreendido pelas universidades e pelo governo será estéril se não se fizer o trabalho de casa. O trabalho de casa é preparar os alunos do ensino médio com consistência. Só assim poderão acolher com inexorabilidade os desafios da formação superior e da vida em sociedade. (EP)

 

Quais são os desafios da formação superior? Quais os desafios da vida em sociedade? Não é nossa preocupação responder a essas questões, tampouco levantá-las. Uma coisa, porém, temos plena certeza, a filosofia sempre resgatou a humanidade do abismo cataclísmico. A história que o diga. Estamos no abismo cataclísmico! (EP)

 

A filosofia precisa ser a ponte da interdisciplinaridade. A tão almejada transversalidade curricular não pode ser alcançada longe da atitude filosófica: que forma de conhecimento pode possibilitar o entrelaçamento entre diversas formas de conhecimento? Qual a relação entre ciência e senso comum? Qual a relação entre poesia e matemática? Existe, ao menos alguma relação entre estas formas de conhecimento? (EP – provocações filosóficas “retórica”)

 

Em algum momento histórico foi possível estabelecer este elo. A maioria dos nossos principais pensadores dominavam uma diversidade de saberes em nível superior. Leonardo Da Vince, por exemplo, foi pintor, escultor, arquiteto, engenheiro, matemático, filósofo, fisiólogo, químico, botânico, geólogo, cartógrafo, físico, mecânico, inventor, anatomista, escritor, poeta e músico e, para nossa vergonha, ainda teve tempo de pintar a Mona Liza, a Última Ceia, construir o protótipo de um helicóptero, tanque de guerra, contribuir para o avanço do conhecimento nos campos da anatomia, da engenharia civil, da óptica e da hidrodinâmica. (WIKIPÉDIA, 2017)

 

Hoje por hoje graças a enorme revolução científica iniciada por Galileu Galilei, somos especialistas em sapos (VOLTAIRE, 1764), entretanto incapazes sequer de compreender o outro, e a nós mesmos. Somos especialistas em sapos, entretanto ignoramos a linguagem que nos permite transmitir numa única palavra o sentido da sapologia, a grosso modo, no cotidiano dos seres humanos. Este é o nosso abismo. Uma fratura cognitiva gerada pelo turbilhão de informações que sufoca toda a espécie humana, nos quatro cantos do planeta submersos na ocidentalização trágica. (VOLTAIRE, 1764)

 

Aqui mesmo, pode-se perscrutar o sabor da trama da nossa pesquisa. Saber discernir e articular saberes é especialidade da filosofia. Com isto, deixamos claro que a tarefa da filosofia no ensino médio será a de possibilitar a reengenharia permanente dos assuntos escolares estritamente ligados a humanização dos alunos, de modo que eles possam ser flexíveis o suficiente para adoptarem posturas ontológicas conforme as demandas do contexto em que estiverem inseridos, tendo sempre como instrumento de medida a preservação da espécie e do espírito humano. (EP)

 

Com efeito, toda essa empreitada precisa começar com uma questão filosófica fundamental difundida por Platão: conhece a ti mesmo! Destarte, a missão da filosofia deve passar inexoravelmente pela busca e construção da identidade dos alunos. Na verdade, o professor de filosofia será chamado a transcender da mera docência em si, na medida em que terá um terreno fértil para exercer sua profissão com zelo. No mais, ele será o artífice que escoltará o aluno ao encontro de si mesmo para poder se doar ao mundo e então, Ser.

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Autor: Domingos Bengo, 2019

Editor: Cefal, 2020

Fonte (Texto Integral): Orientação Vocacional e Profissional – Missão do Ensino de Filosofia no Ensino Médio em Angola 

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