Excertos

A Importância da Filosofia do Direito para a Formação Jurídica

Um dos piores males que o ser humano pode experimentar é indubitavelmente a dor de ser injustiçado. Paulo de Gusmão estava certo quando afirmava, no seu Curso de Filosofia do Direito que, “a ideia de justiça é infinitamente superior ao conceito de justiça”. O conceito é luz. A ideia é interiorização dessa luz e impulso para a acção. A ideia de justiça move os espíritos tanto para a paz como para a guerra.

O Direito apressou-se em estabelecer os limites do justo e do injusto. O problema, porém, está na solidez dessas fronteiras. O justo e o injusto permanecem à mercê de interesses hegemônicos.

O justo precisa conquistar no Direito posição semelhante àquela que o Belo conquistou no campo da Estética. Precisa independer de vontades.

Este é o paradoxo: o Direito apropriou-se da justiça, porém não medita sobre ela. Não maintain os limites do justo e do injusto. Todavia, não precisa ser censurado, pois não lhe cabe essa empreitada. Os seus artífices andam ocupados demais com os códigos que se abstêm de pensar um palmo sequer para além destes. Cabe, portanto, à filosofia, dedicar-se a discussão sobre o justo e o injusto. Esta é a primeira missão da Filosofia do Direito – “crítica da experiência jurídica e determinação de suas condições últimas” (REALE, 1953 apud GUSMÃO, 2015, p. 14).

No mundo hodierno, onde, não obstante o chamado gritante pela filosofia ela é banida dos grandes circuitos de reflexão e tomada de decisão. O Direito, como extensão da Ética e, portanto, objecto da Filosofia, precisa resgatar o cordão umbilical que o oxigena desde tenra idade.

As consequências das tentativas das Faculdades de Direito de só incluírem nos programas matérias que possibilitam sucesso (?) profissional, voltando-se, portanto, apenas para o mercado de trabalho, são hoje experimentadas dia e noite. Exemplos são muitos; basta lembrar o Direito Romano ou a Filosofia do Direito de muitos programas excluídos.

Por isso, o jurista, aos poucos, vai se deformando, esvaziando-se, sem ter base para julgar leis e sentenças e, no futuro, incapaz de elaborar monumentos normativos. O “facto” demarca o direito possível – escreve Gusmão (2015, p. 4). A lei passou a ser para o jurista, formado pelas Universidades pragmáticas – no sentido negativo do vocábulo –, a autoridade única, o dogma. Não “enxergam um palmo” além dos códigos. E o código é a vontade histórica do Estado ou de maiorias parlamentares, e não da sociedade… há, felizmente, excepções, juristas quixotescos, que não se contentam em saber o que dispõem as leis… mas, como os cientistas autodidatas, pagam elevado preço para dominar esse saber mais puro, rotulado de académico (Gusmão, 2015, p. 4).

Assim, A Importância da Filosofia do Direito para a Formação Jurídica demonstra sua autoridade. Pois, a filosofia aplicada ao direito facilita a compreensão dos assuntos jurídicos na medida em que consegue catapultar os estudiosos desta ciência normativa para diferentes contextos históricos e oferece condições de sofisticação da produção de argumentos.

Sendo a Filosofia do Direito, em parte “ciência que se propõe sistematizar em uma síntese superior os preceitos e acções jurídicas” (CROPPALI, 1944 apud Gusmão, 2015, p. 16) o estudo do Direito não pode descorar-se dela, sob pena de resultar na deformação de quadros jurídicos.

Notemos que Filosofia do Direito e Direito não nutrem relações matricidas nem de miscigenação, e sim de irmandade. A Filosofia do Direito pretende auxiliar a irmã a meditar sobre si mesma. A reinventar-se sempre que necessário.

Assim como todas as ciências precisam de fundamentação teórica, o Direito precisa encontrar em si mesmo a base da sua validade. Precisa justificar-se permanentemente para garantir a sua prevalência. De outro modo, sucumbirá à política. Os juristas parecem ignorar a tênue fronteira entre Direito e Política. Julgam que a farda política é suficiente para justificar o homo juridicus. Enganam-se, pois, o homo juridicus só se completa com o homo lettres.

Destarte, cabe-nos apenas desbravar o caminho que deverá ser trilhado pela justiça, pela paz, pela democracia e pela segurança. De outro modo sucumbiremos novamente à doce ilusão da atmosfera impregnada pela “época áurea de segurança”, fortalecida pela crença na “capacidade dos governos” para administrar e legislar, admitir-se a redução do direito à lei, adaptável pelo jurista, com o auxílio das ciências sociais, à realidade social, em lenta transformação (Gusmão, 2015, p. 21).

 

 

 

Autor: Domingos Bengo, 2017

Editor: Cefal, 2020

Fonte (Texto Integral): Ensaio Sobre A Importância da Filosofia do Direito para a Formação Jurídica

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